Encontrei esse texto no Facebook e decidi compartilhar com vcs aqui por que achei interessante
O motorista da van que peguei hoje estava ouvindo Mamonas Assassinas enquanto dirigia feliz e contente rumo ao Vidigal e eu descobri algo fantástico que eu nunca tinha notado nas letras deles.
Se você não nasceu numa época em que a seleção brasileira impunha respeito, provavelmente não sabe o que esses jovens representaram para o cenário musical da época.
Com letras como...
"Oh, Maria, essa suruba me excita
(Arrebita! Arrebita! Arrebita!)
Então vá fazer amor com uma cabrita
(Arrebita! Arrebita! Arrebita!)
Mas Maria, isso é bom que te exercita"
(Bate o pé! Arrebita! Arrebita!)" ♫
...centenas de crianças brasileiras tiveram seu primeiro contato com a pornografia como uma arte musical.
Para vocês terem uma ideia, levaria ainda uns 7 anos para a Tati Quebra-Barraco nos pedir para ficarmos de joelhos e assoprarmos a sua xota.
Se em 2002 nós cantávamos "Sessenta e nove, frango assado, de ladinho a gente gosta" sem nem fazer ideia do que isso significava, não é de se surpreender que em 1995 cantássemos sobre suruba sem termos a menor noção do que estávamos fazendo.
Talvez tivéssemos alguma pista em outra música chamada "Mundo animal"
"Comer tatu é bom
Que pena que dá dor nas costas
Porque o bicho é baixinho
E é por isso que eu prefiro as cabritas
As cabrita tem seios
Que alimentam os seus descendentes" ♫
Em 1995 éramos tão inocentes que se alguém chegasse e perguntasse o que era zoofilia, a pessoa respondia "É ser viciado em zoológico"
Daí muita gente dizia que era a favor da zoofilia porque achava os bichos lindos. Só depois dos Mamonas Assassinas que descobrimos que isso era errado.
Naquela época, falar merda era um ato revolucionário. Hoje em dia, quando já temos o direito de falar putaria garantido, podemos ter a preocupação de falar de putaria de um modo consciente.
Mas em 1995 não tinha isso. O primeiro passo era poder falar. Só depois veio a possibilidade de pensar como falar.
Ainda assim, Mamonas Assassinas fez com que milhões de cidadãos de bem, pessoas de família e tudo o mais cantassem:
"Abra a sua mente
Gay também é gente
Baiano fala oxente
E come vatapá
(...)
Faça bem a barba
Arranque seu bigode
Gaúcho também pode
Não tem que disfarçar
Faça uma plástica
Aí entre na ginástica
Boneca cibernética
Um robocop gay" ♫
Imagina um monte de crianças de 10 anos gritando em festa da escola "UM ROBOCOP GAAAAAAAAAAAAAY AI, EU SEI! EU SEI! UM ROBOCOP GAAAAAAAAAAAAAAY AI, COMO DÓI"
Cara, era muito doido, porque hoje tem menos crianças cantando música assim do que tínhamos antes. Se vocês acham que estamos liberais demais, vocês não viram os anos 80/90.
Mas o mais surpreendente, que eu só descobri hoje nessa música do Robocop gay, não foi nada disso. Foi uma coisa muito incomum nos seus primeiros versos.
A maior parte deles termina com proparoxítonas!
QUE?
Proparoxítonas!
Mas o que é isso? E por que é interessante?
Se tu não fugiu das aulas de português, tu deve lembrar que proparoxítonas são as palavras cuja ANTEPENÚLTIMA sílaba é tônica.
Ou, como gosto de dizer para meus alunos que ficam presos nessa questão:
"É quando a sílaba que você mais grita numa palavra é a terceira de trás pra frente.
Se você grita Joséééééééeé, o que você mais gritou foi o "SÉ", que é a primeira sílaba de trás para frente, mas se você grita Môôôôôôôôôôônica, você gritou o MÔ, que é a terceira de trás para frente. Mônica, no caso, é proparoxítona."
Curtiu o Rodrigo Telecurso 2000? Então voltando.
Saca a letra de Robocop Gay:
"Um tanto quanto másculo
Ai, com M maiúsculo
Vejam só os meus músculos
Que com amor cultivei
Minha pistola é de plástico
Em formato cilíndrico
Sempre me chamam de cínico
Mas o porquê eu não sei
O meu bumbum era flácido
Mas esse assunto é tão místico
Devido ao ato cirúrgico
Hoje eu me transformei
O meu andar é erótico
Com movimentos atômicos
Sou uma amante robótico
Com direito a replay
Um ser humano fantástico
Com poderes titânicos
Foi um moreno simpático
Por quem me apaixonei
E hoje estou tão eufórico
Com mil pedaços biônicos
Ontem eu era católico
Ai, hoje eu sou um gay" ♫
Véi, olha essa porra! Sério.
Se tu quer ser escritor
Se tu quer ser poeta
Se tu quer investir em literatura
Olha essa porra!
Isso é um poema em oitava (estrofe de OITO versos de rimas intercaladas) com sete sílabas.
E ainda por cima usando proparoxítonas!
Isso é difícil para caralho! Porque rimas não são palavras que terminam com sílabas iguais. Rimas exigem que as tônicas sejam parecidas e o que vem depois delas se encaixe.
Então rimar com proparoxítonas exige que você combine TRÊS FONEMAS EM CADA RIMA.
Se você vê uma pessoa rimando amor com dor e acha brega, é porque é brega mesmo. E rima oxítonas, ou seja, só a última sílaba.
Mas com proparoxítonas o bagulho é outro. Basta ver que CÁGADO, por exemplo, não rima com APAGADO, mesmo terminando com duas sílabas iguais. Porém, CÁGADO rima com CACTO, só porque sonoramente ambas têm três fonemas, sendo que a tônica é um CA seguido de mais dois fonemas mais ou menos parecidos (CÁ - gado / CÁ - quito).
Pra cês terem uma ideia da grandeza disso, sabe qual outra música usa um esquema parecido? Uma de CHICO BUARQUE!
"Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
(...)
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão, atrapalhando o tráfego" ♫
Essa música chamada "Construção" é considerada a mais overpower da MPB, porque ela tem uma construção (saca o trocadilho) muito complexa (fica mais fácil de entender quando tu pega a letra toda) e ainda usa só proparoxítonas nos finais de seus versos.
E olha que nem rima.
Uma vez o ator/apresentador/diretor e trocinho estranho Miguel Falabella disse que o mais difícil de fazer numa adaptação de musicais da Brodway para o Brasil era lidar com o fato da nossa língua ter proparoxítonas. Parece que os americanos não têm essas coisas.
Enquanto isso, dois poetas brincam e abusam das proparoxítonas como mestres na música brasileira. Um falando de suicídio (?) e o outro sobre ser gay.
Os Mamonas Assassinas eram geniais e eu não sabia. Peço desculpas à sua memória.
A outra coisa que eu também só descobri hoje é que a parte da "pistola de plástico com formato cilíndrico" provavelmente está falando de um piru de borracha.
Fonte : https://www.facebook.com/eu.rodrigomesquita
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